quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

ESP realiza seminário para discutir a atenção a usuários de álcool/drogas no SUS




Fonte: http://espacosaudemental.esp.mg.gov.br/acontece/
Governo erra ao focar o crack, diz médico
Para Antonio Nery Filho, criador do 1º consultório de rua do país, dimensão da droga não justifica investimento. 
Ele critica plano de usar consultório de rua como porta para a internação involuntária, vista por ele como um retrocesso. 

Erik Salles/Agência A Tarde
O médico Antonio Nery Filho, no Cetad (Centro de Estudos e terapia do abuso de drogas)
O médico Antonio Nery Filho, no Cetad (Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas)
ANDRÉIA SADI
JOHANNA NUBLAT
DE BRASÍLIA

Idealizador do primeiro consultório de rua, mecanismo de abordagem de usuários de drogas encampado no novo plano do governo federal contra o crack, o médico Antonio Nery Filho critica o uso da atividade como porta para internação involuntária. 
Essa possibilidade foi levantada pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha. 
Professor na Universidade Federal da Bahia e coordenador do Cetad (Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas), Nery Filho relativiza o problema do crack em comparação a outras drogas. 

FOLHA - Por que o senhor afirma que o crack não é o principal problema do país? 
ANTONIO NERY -O crack foi alçado a uma posição na saúde pública brasileira que não corresponde à realidade. Sobretudo se comparado ao álcool, tabaco e medicamentos psicotrópicos usados fora do contexto médico e às substâncias voláteis. 
O uso do crack se reduz a população específica. Não penso que se possa falar em "Brasil contra o crack" pois ele não tem uma dimensão que mereça o engajamento. 

O sr. foi o idealizador do primeiro consultório de rua. Como vê o fato de a atividade ser incorporada ao plano do crack do governo? 
De modo algum uma atividade pode ser incorporada a um plano para o crack. Seria muito mais eficaz um plano da maconha, cocaína em pó e, por que não, do álcool. Falar do plano do crack eu me recuso. A atividade que criamos na Bahia não é voltada para o crack e não deveria estar incorporada em um plano específico para uma droga, mas em um projeto de atendimento às pessoas que consomem drogas em situação de completa exclusão social. 

Como foi criado o consultório? 
Nós verificamos, em 1995, que havia na Bahia uma população que não tinha possibilidade de procurar um serviço de saúde por sua mais absoluta exclusão social. 
Há pessoas que não têm a menor possibilidade de se mover na direção de qualquer coisa que não seja da morte. Nós constatamos, após dez anos trabalhando no Cetad, que essas pessoas nunca iam ao serviço e aí tivemos a ideia de criar um dispositivo com uma equipe multidisciplinar. Fomos onde essas pessoas estão. 

O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, disse que os consultórios de rua poderiam fazer o encaminhamento para a internação involuntária... 
Se fizerem isso estarão deturpando completamente a ideia original. Eu me oponho totalmente que o consultório de rua se torne instrumento de internação compulsória. 
Internações compulsórias nunca deram resultado nos últimos 50 anos. Nem para doentes mentais inteiramente psicóticos têm sido feitas. 
Voltar 50 anos para fazer uma higienização das ruas das cidades brasileiras me parece um retrocesso para não dizer um absurdo do ponto de vista técnico. 
Sabemos, após 30 anos trabalhando, que quando vamos para as ruas e nos tornamos o instrumento dessa internação compulsória, as pessoas fogem de nós como o diabo foge da cruz. 
Vem agora uma proposta completamente anacrônica do Ministério da Saúde e propõe aquilo que nós todos da saúde mental mais abominamos (...) Deveríamos criar centros de atendimento psicossocial no lugar de dispor R$ 418 milhões para se enfrentar um fantasma criado artificialmente no Brasil. 

O que difere a internação compulsória da involuntária? 
A internação involuntária é igual à compulsória. Involuntária significa que a pessoa internada não aceita, então é compulsória. Alguém da lei decide, interpreta a lei. 
E é uma interpretação errônea, porque a lei mudou e hoje a internação é um instrumento de recurso último. 

Em nenhum caso o consultório de rua faria essa abordagem para, nos casos extremos, definir a internação? 
Sou radical e frontalmente contra a internação involuntária, sobretudo de pessoas que usam drogas na rua e não estão psicóticas, não perderam a capacidade de entendimento e determinação. 
O Estado brasileiro está dizendo que os usuários na rua são incapazes de decidir se querem ser internados. 
Digo que 90% das pessoas que usam drogas se beneficiam bem do atendimento ambulatorial. Por que optar pelo mais caro, colocando essas pessoas em instâncias compulsoriamente? 
Por trás disso tem o movimento das comunidades terapêuticas. A maioria é de caráter religioso. As pessoas não suportam rezar o dia todo e achar que Jesus vai substituir o crack, a cocaína, o álcool ou qualquer coisa do tipo. 

Frases 

"O crack foi alçado a uma posição na saúde pública brasileira que não corresponde à realidade. Sobretudo se comparado ao álcool e tabaco (...) ele se reduz a população específica (...) não tem uma dimensão que mereça esse engajamento [do governo federal]" 
"As internações compulsórias nunca deram resultado nos últimos 50 anos. Nem para os doentes mentais totalmente psicóticos elas têm sido mais realizadas (...) voltar 50 anos para fazer higienização das ruas das cidades brasileiras me parece um retrocesso" 

domingo, 4 de dezembro de 2011

CARTA ABERTA AOS DELEGADOS DA
14ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE
POR UMA POLÍTICA PARA OS USUÁRIOS DE ÁLCOOL, CRACK
E OUTRAS DROGAS SEM SEGREGAÇÃO E EM LIBERDADE


Nós, militantes e simpatizantes da luta antimancomial, usuários, familiares, trabalhadores e gestores do SUS e da rede substitutiva da Reforma Psiquiátrica, militantes de direitos humanos e da redução de danos, convidamos os delegados da 14º Conferência Nacional de Saúde a se aliarem ao movimento em defesa da Reforma Psiquiátrica e do SUS, rea rmando a deliberação da IV Conferência Nacional de Saúde Mental- Intersetorial de não liação das comunidades terapêuticas ao SUS! Solicitamos também que se aliem a nós no pedido ao governo federal para que amplie a discussão, chamando os diferentes atores envolvidos com a questão a se pronunciarem, e não apenas as federações das comunidades terapêuticas, permitindo, assim, a construção de uma política ancorada no debate plural e efetivamente democrático.

Há alguns meses, o governo federal planeja e anuncia o lançamento o cial de uma política nacional de atenção aos usuários de álcool, crack e outras drogas que, em função das propostas contidas na mesma, é motivo de sérias preocupações e tem gerado protestos de movimentos sociais, instituições, trabalhadores e gestores da saúde e de militantes da redução de danos, da luta antimanicomial e de direitos humanos.

Três pontos nos preocupam: o processo de elaboração da referida política _ parcial e restrito; o retorno de propostas contrárias aos princípios que orientam as políticas públicas, dentre estes, a defesa da internação compulsória e a opção pelo nanciamento de instituições privadas em detrimento da ampliação da rede substitutiva de cuidados. Além destes e igualmente grave e lesivo à democracia, preocupa-nos ainda, a deliberada posição do governo federal que insiste em ignorar e menosprezar as deliberações da IV Conferência Nacional de Saúde Mental-Intersetorial, realizada em junho de 2010, que decidiu pela não inclusão das comunidades terapêuticas ao Sistema Único de Saúde. Quando a IV Conferência assim se manifestou, reafi rmou a posição já estabelecida no SUS de que comunidades terapêuticas não são serviços de saúde. Aceitar o desrespeito à decisão de um fórum de tamanha legitimidade, constitucionalmente assegurado, reconhecido e sustentado pelo governo, abre um precedente que põe em riso o sentido da participação social, conquista tão cara à democracia brasileira.

A posição do governo federal de inserir as comunidades terapêuticas, em forçar seu pertencimento, mais que um equívoco, significa um retrocesso no percurso histórico do SUS e da Reforma Psiquiátrica. Acordos de gabinete não podem desautorizar deliberações coletivas. É esta a essência da construção democrática!

Não podemos esquecer nem ignorar que o início do processo de desconstrução do hospital psiquiátrico enfrentou, além do debate ideológico, a dura realidade criada pela chamada indústria da loucura, onde a dor humana era um objeto mercantil. Desconstruir o manicômio implicou, para nós, em desconstruir o lucrativo negócio em torno da loucura. E é a este ponto que o governo Dilma pretende retornar? Após havermos inventado uma prática efetivamente libertária e cidadã, posto que pública, retornaremos com o sujeito do perigo social do século XXI, os usuários de álcool e outras drogas, à mesma condição de outrora? É isto o que nos propõe o atual governo?

O reconhecimento público da insu ciência da rede substitutiva para dar conta das necessidades dos que dependem de drogas no país, não serve como argumento para a proposta apresentada. Ou melhor, é argumento que somente se pode admitir, caso se faça acompanhar pelo compromisso de sua efetiva ampliação e não como justi cativa para mudança de orientação. Se a rede é insu ciente _ e ela o é, os gestores do SUS, todos, devem estabelecer o compromisso de torná-la real em todo o país. Pois, o contrário disto, signifi ca a opção pela destruição de uma política. Pior que defender um projeto oposto é trair um ideal; mais grave que defender a exclusão, é escolhê-la quando antes se apostou na construção de um mundo para todos. O atalho compromete mais que a imposição de um caminho contrário.

Que a escolha por uma comunidade terapêutica e pela supressão dos direitos de cidadania seja a opção de alguns é algo que só pode ser respeitada no plano da decisão individual, mas jamais como oferta da política pública e resposta do Estado à sociedade.

Uma política séria e consequente para usuários de álcool e outras drogas, comprometida com a cidadania destes sujeitos, deverá se materializar na implantação de CAPS-ad 24hs, CAPSi, Unidades de Acolhimento Transitório, Consultórios de Rua, leitos em hospital geral, equipes de saúde mental na atenção básica, numa melhor articulação com as redes de urgência, etc. Todos estes recursos, certamente, tornarão a vida dos que usam e dependem de substâncias psicoativas mais fácil de ser vivida, mais cidadã e menos vulnerável. E devem receber investimento claro e decidido para se tornarem realidade nos territórios onde os homens vivem e fazem a sua história.

A dependência, contudo, é apenas uma das faces desta complexa questão. O trá fico, o trabalho e a violência, pedem intervenção de outras políticas públicas, demandam recursos de outras redes, igualmente importantes e necessárias. Educação e cultura, habitação e trabalho, lazer e justiça, não são coadjuvantes no processo de cidadania, são pontos de conexão com o mundo que ajudam a construir saídas para os que se vêem, em alguma medida, envolvidos com as drogas.

O tratamento dos usuários de álcool, crack e outras drogas deve seguir os princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica, sendo também este o caminho a ser trilhado pelo financiamento: a ampliação da rede substitutiva.

Por uma sociedade sem manicômios!! Por um tratamento sem segregação!!
Pelo fortalecimento do Sistema Único de Saúde e da Reforma Psiquiátrica!!
Contra a privatização da saúde mental!!

Brasília, dezembro de 2011

Conselho Federal de Psicologia
Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania
Pastoral Nacional do Povo da Rua/CNBB
Rede Brasileira de Redução de Danos - REDUC
Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial - RENILA

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

CONVITE PARA A EXPOSIÇÃO "LENDAS BRASILEIRAS"

Entre 09 e 23 de novembro acontecerá no Ponteio Lar Shopping a exposição "Lendas Brasileiras". Trata-se de um empreendimento dos usuários da rede de saúde mental de Belo Horizonte, produto de uma parceria dos Centros de Convivência com o Ponteio Lar Shopping. 




segunda-feira, 31 de outubro de 2011

NOTA DO CFP: 13 RAZÕES PARA DEFENDER UMA POLÍTICA PARA USUÁRIOS DE CRACK, ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS SEM EXCLUSÃO

1. Defendemos o Sistema Único de Saúde (SUS) – um dos maiores patrimônios nacionais, construído coletivamente para cuidar da saúde da população brasileira. Defendemos a aprovação da Emenda Constitucional nº 29 e a possibilidade de garantir e ampliar financiamento para consolidar suas ações, inclusive para a política de crack, álcool e outras drogas, assegurando seu caráter eminentemente público, em oposição a todas as formas de privatização da saúde.
2. Defender os princípios e diretrizes do SUS, principalmente o princípio da PARTICIPAÇÃO, que garante o direito do usuário de ser esclarecido sobre a sua saúde, de intervir em seu próprio tratamento e de ser considerado em suas necessidades, em função de sua subjetividade, crenças, valores, contexto e preferências.
3. Defender a continuidade e o avanço do processo de Reforma Psiquiátrica Antimanicomial em curso no Brasil – regulamentada na Lei nº 10.216/2001, que criou os serviços de atenção psicossocial de caráter substitutivo ao modelo asilar – para o cuidado de pessoas com sofrimento mental e problemas no uso de álcool e outras drogas.
4. Considerar que o Estado é laico e democrático e, por isso, não deverá, a pretexto de tratamento, impor crença religiosa a nenhum de seus cidadãos, mesmo quando estes fizerem uso problemático de álcool ou outras drogas. Da mesma forma, compete ao Estado respeitar e promover a cidadania destes usuários, recusando todas as propostas que violem seus direitos, como a internação compulsória e restrição da liberdade como método de tratamento.
5. Superar o isolamento em instituições totais, tais como hospitais psiquiátricos ou comunidades terapêuticas – que geram mais dor, sofrimento, violação dos direitos humanos –, por uma rede de serviços substitutivos como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Leitos em Hospitais Gerais, Casas de Acolhimento Transitório, Consultórios de Rua e outras invenções que se fizerem necessárias para garantir o cuidado em liberdade.
6. Reconhecer que as cenas públicas de uso de drogas, as chamadas cracolândias, que tanto incomodam a população em geral, são também efeitos da negligência pública e da hipocrisia social. A transformação desta situação impõe a criação de políticas públicas que incluam os usuários e a população local, através da implantação de projetos de moradia social, geração de renda, qualificação do espaço urbano, educação, lazer, esporte, cultura, etc.
7. O cuidado em liberdade, dentro do SUS, dos usuários de crack, álcool e outras drogas já é realidade em nosso país. São Bernardo do Campo (SP) e Recife (PE) são exemplos do êxito desta política, cujos investimentos exclusivamente voltados para a rede pública propiciaram a invenção de uma rede diversificada de serviços substitutivos, que asseguram cidadania. A sustentação radical desta política permite a ambos municípios prescindirem da inclusão de comunidades terapêuticas e de hospitais psiquiátricos como lócus de tratamento.
8. Quem usa drogas é vizinho, pai, mãe, filho, filha, irmão, irmã, amigo, amiga, parente de alguém, meu ou seu. Portanto, é preciso superar a ideia de que o usuário de drogas é perigoso, perdido, irrecuperável ou um monstro. Tais idéias provocam uma urgência de respostas mágicas, levam a sociedade a demandar medidas políticas sem a prévia reflexão necessária, justificando e legitimando a violência contra estes novos párias sociais.
9. A humanidade sempre usou drogas em cerimônias, festas, ritos, passagens e em contextos limitados. Nossa sociedade precisa se indagar sobre o significado do consumo que o mundo contemporâneo experimenta e tanto valoriza, buscando entender o uso abusivo de drogas nos dias de hoje e as respostas que tem dado ao mesmo.
10. As sociedades convivem com muitas drogas, lícitas ou ilícitas. As pessoas que usam drogas de forma prejudicial precisam de ajuda, apoio, respeito e de redes públicas de atenção que garantam sua cidadania e liberdade. Para tal, as ações de redução de danos, que responsabilizam o cidadão por suas escolhas e estabelecem laços de solidariedade, devem ser orientadoras do cuidado, sempre articuladas com as demais políticas públicas.
11. A leitura do fenômeno do uso abusivo de drogas, em particular, do consumo de crack, como uma epidemia, além de grave equívoco de interpretação dos dados epidemiológicos que não demonstram isto, provoca uma reação social que instaura o medo e autoriza a violência e a arbitrariedade, levando à justificação de medidas autoritárias, coercitivas e higienistas.
12. Comunidades terapêuticas não são dispositivos de saúde pública. São a versão moderna dos antigos manicômios, seja pela função social a elas endereçada, quanto pelas condições de uma suposta assistência ofertada. Elas reintroduzem o isolamento das instituições totais, propondo a internação e permanência involuntárias, centram suas ações na temática religiosa, frequentemente desrespeitando tanto a liberdade de crença quanto o direito de ir e vir dos cidadãos. Portanto, rompem com a estrutura de rede que vem sendo construída pelo SUS, não havendo qualquer justificativa técnica para seu financiamento público.
13. Os direitos humanos, os princípios da saúde pública e as deliberações das Conferências Nacionais de Saúde e de Saúde Mental devem orientar a aplicação e os investimentos públicos na criação das redes e serviços de atenção a usuários de crack, álcool e outras drogas. Qualquer política que proponha agregar outros serviços com orientação distinta da adotada pela Reforma Psiquiátrica e pelo SUS, estará tentando conciliar o inconciliável e deste modo, camuflando diferenças em nome de outros motivos ou interesses e produzindo um claro desrespeito à política e à sociedade.

Brasília, 05 deoutubro de 2011

quarta-feira, 26 de outubro de 2011


"ALIANÇA PELA VIDA"?
 
DO QUE FALA O GOVERNO DE MINAS, COM QUEM ELE FAZ ALIANÇA?
 
 
 
Com alarde e muita publicidade o Governo de Minas Gerais fez sua entrada na cena do debate do momento: o consumo de crack, álcool e outras drogas e seus efeitos sociais e sanitários. Prometendo muito, como é de seu estilo, e fazendo o oposto, lançou o Programa Aliança pela Vida. Passados dois meses, é possível identificar o tipo de aliança proposto, seus principais atores e objetivos.
 
O Projeto alardeado propõe a criação de um fundo único com recursos públicos de órgãos e secretarias do Estado que desenvolvem programas sociais e projetos de prevenção e combate às drogas. Cada um destes setores destinará 1% do seu orçamento para ações voltadas a usuários de crack, álcool e outras drogas, e tem, de acordo com texto oficial, seu “foco principal” na parceria do Estado com entidades da sociedade civil. Noutras palavras, trata-se da velha e requentada fórmula de terceirização da política pública, algo que este governo faz com maestria. E, além disso, neste caso específico, reafirma sua posição nesta política, ou seja, a adoção da exclusão como método de tratamento dos usuários de crack, álcool e outras drogas, por meio da internação em comunidades terapêuticas.
 
Algumas ações do referido programa merecem destaque pelo seu inequívoco caráter segregativo e higienista. O primeiro, o Rua Livre, introduz nas chamadas cenas de uso, nos locais de consumo e comércio de drogas, nas bocas, a presença de uma equipe constituída pelo poder repressivo: a Polícia Militar em parceria com técnicos da saúde mental, que aceitaram a função de agentes da ordem e da norma, que aborda e “convida” _ com o poder de intimidação da força da farda e do camburão _ ao tratamento em comunidades terapêuticas. Ação pontual, de caráter marcadamente higienista que se opõe à lógica de trabalho dos Consultórios de Rua, dispositivos do Sistema Único de Saúde criados para atender, especificamente, aos usuários de crack, álcool e outras drogas em situação de rua.
 
O segundo, o Cartão Aliança pela Vida, que já ganhou o apelido de “bolsa crack”, novidade do momento, é um mecanismo de transferência de renda que estimula, de novo, a segregação do usuário, na medida em que concede à família, ao tutor ou curador, ou ainda qualquer pessoa do “núcleo familiar” definido em decreto, até R$ 900,00 (novecentos reais), por mês, para custear as despesas de internação em comunidades terapêuticas ou entidades especializadas de atendimento.
 
Uma primeira questão se coloca: esta bolsa contraria a lógica dos mecanismos de transferência de renda, tais como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o Bolsa Família, O Programa de Volta para Casa, pois todos privilegiam o exercício da cidadania e da autonomia dos sujeitos e não sua exclusão, como faz a “bolsa crack”. A outra questão diz respeito ao estímulo à privatização da atenção na medida em que investe na criação e ampliação de serviços privados contratados/conveniados, quando deveria e poderia investir no fortalecimento de uma rede substitutiva pública voltada aos usuários de crack, álcool e outras drogas.
 
Não é possível servir a dois senhores. A Lei federal 10.216/2001, os princípios Sistema Único de Saúde e da Reforma Psiquiátrica são inconciliáveis com a lógica política que o governo do Estado de Minas Gerais defende. Todo o seu investimento privilegia um único ponto: a internação em comunidades terapêuticas e afins.
 
As entidades que assinam este documento e que têm se mobilizado e buscado intervir nos debates nacional, estadual e municipal sobre a questão da droga, repudiam esta iniciativa vergonhosa do Governo do Estado de Minas Gerais e assumem a defesa do Sistema Único de Saúde e da Reforma Psiquiátrica, provocando o poder público a investir na consolidação das políticas de saúde e de saúde mental, assegurando, assim, a continuidade e avanço do projeto antimanicomial.
 

Assinam este documento:
 
Fórum Mineiro de Saúde Mental
Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (RENILA)
Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais
Associação Loucos Por Você, de Ipatinga
ASSUME, de João Monlevade
Suricato ­­– Associação de Trabalho e Produção Solidária
Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade
Frente Antiprisional das Brigadas Populares
Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (ASUSSAM)
Comissão Municipal de Reforma Psiquiátrica de Belo Horizonte
REDAMIG – Redutores de Danos de Minas Gerais
Fórum de Juventudes de Belo Horizonte
Fórum de Formação em Saúde Mental de Minas Gerais
Fórum Mineiro em Defesa do SUS e Contra a Privatização
Coletivo Espaço Saúde
Centro Acadêmico de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Intervenção na Câmara Municipal

Registro dos membros do FOFO-MG fazendo sua intervenção no Seminário Legislativo Crack e Outras Drogas, ocorrido na Câmara Municipal de Belo Horizonte em 24 de outubro de 2011.

Além de garantir nossa presença no Plenário, percorremos os gabinetes dos Senhores Vereadores para entregar-lhes nossa Carta Aberta, como um convite à reflexão consistente e a um futuro Seminário a ser ainda organizado, com uma discussão ampliada e democrática sobre o uso prejudicial de drogas ilícitas.

(Fotos de Ana Marta Lobosque)




CARTA ABERTA AOS VEREADORES DE BELO HORIZONTE

CARTA ABERTA AOS VEREADORES DE BELO HORIZONTE

As entidades abaixo assinadas vêm através desta Carta Aberta aos Vereadores de Belo Horizonte, chamar atenção para o caráter parcial da organização do Seminário intitulado “Crack e outras Drogas”. Pensamos que para tratar de assunto tão importante e polêmico deveriam estar incluídas a contribuição do pensamento e da luta de associações e entidades que reconhecidamente estão envolvidas com a construção de políticas públicas que priorizam a cidadania.

Este seminário, pelo título e pela composição das mesas, preocupa-nos nos seguintes aspectos:
·        Os riscos do crack para a comunidade urbana serão abordados sem debater as razões do uso prejudicial de tal substância – razões certamente relacionadas aos desequilíbrios e desigualdades presentes nesta comunidade, diante dos quais seus governantes via de regra mostram-se omissos;
·       Da mesma forma, as relações entre os três poderes no combate ao crack serão tratadas, sem antes discutir os motivos e as estratégias desse combate com os usuários, familiares e com a sociedade civil;
·   Serão escutados os representantes das políticas nacional e estadual sobre drogas, cujos projetos são duramente questionados por amplos setores da sociedade civil em defesa dos direitos humanos, por seu caráter arbitrário, repressivo e policialesco, sem que sejam ouvidos quaisquer representantes desses setores;
 A realidade das comunidades terapêuticas será exposta apenas por representantes de suas federações, cujos interesses de manutenção e ampliação das mesmas são óbvios, sem a participação de outras instituições que podem testemunhar quanto às condições de assistência oferecidas nestes espaços;
·      Será mencionada a inserção das comunidades terapêuticas nas políticas públicas sobre drogas como se tal inserção fosse um fato consumado, inquestionável e consensual, e não como é na verdade, ou seja, criticado por movimentos sociais de grande tradição na defesa dos direitos humanos e das políticas públicas;
·     Não foram convidados um único gestor ou trabalhador da Saúde, num menosprezo ao Sistema Único de Saúde que o concebe impotente diante do cuidado para com aqueles que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas, e lhe furta o compromisso de oferecer-lhes tal cuidado.

Acreditando firmemente no compromisso do poder legislativo com o debate democrático com a sociedade civil, não podemos deixar de manifestar o nosso repúdio. Todos estes pontos apontam amplamente para a ilegitimidade de quaisquer conclusões, propostas e medidas tomadas a partir de um evento tal. Com respeito, porém com firmeza, reivindicamos ao Poder Legislativo Municipal que, em parceria com os demais poderes públicos, cumpra urgentemente o seu papel de construir e ampliar um debate legítimo e democrático sobre o complexo tema em questão.

Belo Horizonte, 24 de Outubro de 2011.
Assinam:
Fórum de Formação em Saúde Mental de Minas Gerais
Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais
Fórum Mineiro de Saúde Mental
Associação de Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais 

terça-feira, 31 de maio de 2011

18 de Maio no Boletim da UFMG

O Boletim da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) publicou recentemente uma matéria sobre a comemoração do 18 de maio. Este é um dos primeiros frutos da interlocução entre o Fórum de Formação em Saúde Mental de Minas Gerais e a Pró-Reitoria de Extensão da UFMG.
O Boletim pode ser acessado em: http://www.ufmg.br/online/arquivos/019308.shtml

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Participe e promova!




O Espaço Saúde (UFMG), no intuito de ajudar mais um pouco na divulgação do 18 de Maio, acaba de produzir um pequeno vídeo com imagens dos desfiles e com a música do Juliano: "Sou o Rei da Loucura". Confira!

Atividades preparatórias para o 18 de maio

Nos últimos dias o FOFO-MG participou de várias atividades com o intuito de discutir a formação em saúde mental e também convidar os alunos a refletirem sobre a importância da data, quando se comemora a luta antimanicomial nacionalmente.


Assim, no dia 02 de maio, na PUC - Coração Eucarístico, houve uma roda de conversa com os alunos de psicologia do sétimo período, na inauguração do evento denominado "Saúde Mental em Destaque". Estiveram presentes Anna Laura (T.O. - Espaço Saúde), Áquila (estudante de psicologia da UFMG/Espaço Saúde) e Tulíola (psicóloga, recém-mestre em psicologia pela UFMG), com participação da Professora Fabiana Campos.

Em 11 de maio, na PUC - São Gabriel, houve a roda de conversa intitulada "A formação em Saúde Mental: perspectivas das práticas substitutivas a partir do FOFO". Na parte da manhã compuseram a mesa Flávio Durães (professor), Inês Julião (psiquiatra e diretora da ONG Laço) e Carmelita Alves (usuária da rede de saúde mental de BH). Depois, na segunda mesa, à noite, participaram Celso Renato (psicólogo e professor), Renato Diniz (psiquiatra preceptor da residência no Instituto Raul Soares) e Ana Maria (usuária da rede de saúde mental de BH e membro da Asussam).

Já na UFMG, várias atividades preparatórias ocorreram, em outros formatos. Citamos aqui as atividades na UFMG relativas ao 18 de maio:

·    02 a 20/05/11: Exposição de fantasias da Escola de Samba Liberdade Ainda que TamTam, poesias dos usuários e fotos do 18 de Maio no ICB - Instituto de Ciências Biológicas.

·    09 e 17/05/11: Confecção de fantasias para o 18 de Maio, às 17:30 no CAFITO - Centro Acadêmico de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, EEFFTO.

·    10/05/11: Feira de artesanato da Suricato (Associação de Trabalho e Produção Solidária) e Centros de Convivência, 9 às 17h na Praça de Serviços do Campus Pampulha.
  • 12/05/11: Mostra Loucura Encena, 9 às 20h, auditório 1 da Faculdade de Ciências Econômicas. Promoção: L@gir - Laboratório de Grupos, Instituições e Redes Sociais do Departamento de Psicologia.

O FOFO-MG apoia esses tipos de atividades e espera poder promover encontros futuros, em parcerias, voltados para a temática da preparação - não só acadêmica - dos atores envolvidos na Saúde Mental.

Carta de apresentação do FOFO-MG

O Fórum de Formação em Saúde Mental de Minas Gerais (FOFO-MG) é um movimento constituído por professores e alunos de diversas instituições formadoras mineiras, além de trabalhadores e usuários de Saúde Mental.
A criação do Fórum deu-se a partir de um profundo interesse e empenho em debater e modificar a situação atual da formação na área da Saúde Mental.
Comprometidos com os princípios da Reforma Psiquiátrica brasileira, incluímo-nos entre os movimentos sociais que lutam por sua efetiva implementação, assegurando assistência digna e garantia dos direitos de cidadania dos portadores de sofrimento mental. Dessa perspectiva, entendemos que a formação em Saúde Mental nas universidades e demais instituições formadoras do Estado encontra-se ainda em acentuado descompasso com o movimento da Reforma,  concedendo pouca atenção, de maneira geral, à divulgação e produção de conhecimentos relativos às novas práticas clínicas e políticas desenvolvidas pelas  redes de serviços substitutivas ao hospital psiquiátrico.
Tal descompasso é tanto mais problemático se considerarmos que a política oficial de Minas e do Brasil  têm como  diretrizes aquelas  preconizadas pelas leis federal  10216/2001 e estadual 11802/1995;   e  pelas Conferências Nacionais e Estaduais de Saúde Mental, o que aponta para um distanciamento entre as políticas públicas brasileiras e seu ensino efetivo nas universidades.
O Fórum de Formação em Saúde Mental de Minas Gerais tem promovido diversas  atividades  no sentido de debater esse problema. Dentre elas, citamos a Primeira Plenária de Docentes e Discentes, ocorrida em abril de 2010, que encaminhou propostas relativas ao tema da formação às Conferências de Saúde;  e o Seminário Saúde Mental: Marcos Conceituais e Campos de Prática, realizado em novembro do mesmo ano, prosseguindo e fazendo avançar a discussão.
Para o ano de 2011, programamos diversas atividades - rodas de conversa, jornadas, etc - nas diferentes instituições formadoras representadas no Fórum, que possam colocar em pauta tais questões  na própria comunidade universitária, envolvendo novos atores - entre professores e alunos - nessa premente discussão.
Desejamos afirmar aqui  nossa expectativa de uma construção conjunta de novas possibilidades de fazer avançar o  debate relativo à formação em Saúde Mental.