domingo, 4 de dezembro de 2011

CARTA ABERTA AOS DELEGADOS DA
14ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE
POR UMA POLÍTICA PARA OS USUÁRIOS DE ÁLCOOL, CRACK
E OUTRAS DROGAS SEM SEGREGAÇÃO E EM LIBERDADE


Nós, militantes e simpatizantes da luta antimancomial, usuários, familiares, trabalhadores e gestores do SUS e da rede substitutiva da Reforma Psiquiátrica, militantes de direitos humanos e da redução de danos, convidamos os delegados da 14º Conferência Nacional de Saúde a se aliarem ao movimento em defesa da Reforma Psiquiátrica e do SUS, rea rmando a deliberação da IV Conferência Nacional de Saúde Mental- Intersetorial de não liação das comunidades terapêuticas ao SUS! Solicitamos também que se aliem a nós no pedido ao governo federal para que amplie a discussão, chamando os diferentes atores envolvidos com a questão a se pronunciarem, e não apenas as federações das comunidades terapêuticas, permitindo, assim, a construção de uma política ancorada no debate plural e efetivamente democrático.

Há alguns meses, o governo federal planeja e anuncia o lançamento o cial de uma política nacional de atenção aos usuários de álcool, crack e outras drogas que, em função das propostas contidas na mesma, é motivo de sérias preocupações e tem gerado protestos de movimentos sociais, instituições, trabalhadores e gestores da saúde e de militantes da redução de danos, da luta antimanicomial e de direitos humanos.

Três pontos nos preocupam: o processo de elaboração da referida política _ parcial e restrito; o retorno de propostas contrárias aos princípios que orientam as políticas públicas, dentre estes, a defesa da internação compulsória e a opção pelo nanciamento de instituições privadas em detrimento da ampliação da rede substitutiva de cuidados. Além destes e igualmente grave e lesivo à democracia, preocupa-nos ainda, a deliberada posição do governo federal que insiste em ignorar e menosprezar as deliberações da IV Conferência Nacional de Saúde Mental-Intersetorial, realizada em junho de 2010, que decidiu pela não inclusão das comunidades terapêuticas ao Sistema Único de Saúde. Quando a IV Conferência assim se manifestou, reafi rmou a posição já estabelecida no SUS de que comunidades terapêuticas não são serviços de saúde. Aceitar o desrespeito à decisão de um fórum de tamanha legitimidade, constitucionalmente assegurado, reconhecido e sustentado pelo governo, abre um precedente que põe em riso o sentido da participação social, conquista tão cara à democracia brasileira.

A posição do governo federal de inserir as comunidades terapêuticas, em forçar seu pertencimento, mais que um equívoco, significa um retrocesso no percurso histórico do SUS e da Reforma Psiquiátrica. Acordos de gabinete não podem desautorizar deliberações coletivas. É esta a essência da construção democrática!

Não podemos esquecer nem ignorar que o início do processo de desconstrução do hospital psiquiátrico enfrentou, além do debate ideológico, a dura realidade criada pela chamada indústria da loucura, onde a dor humana era um objeto mercantil. Desconstruir o manicômio implicou, para nós, em desconstruir o lucrativo negócio em torno da loucura. E é a este ponto que o governo Dilma pretende retornar? Após havermos inventado uma prática efetivamente libertária e cidadã, posto que pública, retornaremos com o sujeito do perigo social do século XXI, os usuários de álcool e outras drogas, à mesma condição de outrora? É isto o que nos propõe o atual governo?

O reconhecimento público da insu ciência da rede substitutiva para dar conta das necessidades dos que dependem de drogas no país, não serve como argumento para a proposta apresentada. Ou melhor, é argumento que somente se pode admitir, caso se faça acompanhar pelo compromisso de sua efetiva ampliação e não como justi cativa para mudança de orientação. Se a rede é insu ciente _ e ela o é, os gestores do SUS, todos, devem estabelecer o compromisso de torná-la real em todo o país. Pois, o contrário disto, signifi ca a opção pela destruição de uma política. Pior que defender um projeto oposto é trair um ideal; mais grave que defender a exclusão, é escolhê-la quando antes se apostou na construção de um mundo para todos. O atalho compromete mais que a imposição de um caminho contrário.

Que a escolha por uma comunidade terapêutica e pela supressão dos direitos de cidadania seja a opção de alguns é algo que só pode ser respeitada no plano da decisão individual, mas jamais como oferta da política pública e resposta do Estado à sociedade.

Uma política séria e consequente para usuários de álcool e outras drogas, comprometida com a cidadania destes sujeitos, deverá se materializar na implantação de CAPS-ad 24hs, CAPSi, Unidades de Acolhimento Transitório, Consultórios de Rua, leitos em hospital geral, equipes de saúde mental na atenção básica, numa melhor articulação com as redes de urgência, etc. Todos estes recursos, certamente, tornarão a vida dos que usam e dependem de substâncias psicoativas mais fácil de ser vivida, mais cidadã e menos vulnerável. E devem receber investimento claro e decidido para se tornarem realidade nos territórios onde os homens vivem e fazem a sua história.

A dependência, contudo, é apenas uma das faces desta complexa questão. O trá fico, o trabalho e a violência, pedem intervenção de outras políticas públicas, demandam recursos de outras redes, igualmente importantes e necessárias. Educação e cultura, habitação e trabalho, lazer e justiça, não são coadjuvantes no processo de cidadania, são pontos de conexão com o mundo que ajudam a construir saídas para os que se vêem, em alguma medida, envolvidos com as drogas.

O tratamento dos usuários de álcool, crack e outras drogas deve seguir os princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica, sendo também este o caminho a ser trilhado pelo financiamento: a ampliação da rede substitutiva.

Por uma sociedade sem manicômios!! Por um tratamento sem segregação!!
Pelo fortalecimento do Sistema Único de Saúde e da Reforma Psiquiátrica!!
Contra a privatização da saúde mental!!

Brasília, dezembro de 2011

Conselho Federal de Psicologia
Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde
Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania
Pastoral Nacional do Povo da Rua/CNBB
Rede Brasileira de Redução de Danos - REDUC
Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial - RENILA